Em 1965, com o intuito de trazer novos saberes aos moradores do município de Ubatuba, surge a idéia de realizar a Operação Ubatuba, onde intelectuais da época decidiram com o apoio de diversas instituições, montar acampamentos em bairros estratégicos do município para contribuir com a socialização dos moradores de bairros de difícil acesso. No município os idealizadores contaram com o apoio do prefeito da época, Ciccillo Matarazzo, que embora tenha recebido o veto da câmara municipal por motivos financeiros, persistiu com a idéia de apoiar e realizar tal operação. A Operação realizou-se em bairros retirados e de difícil acesso, onde os estudantes convidados para alfabetizar os “caiçaras” chegavam de canoa ou por trilhas. Durante a pesquisa usamos entrevistas com moradores locais e sujeitos influentes da época, leitura e fichamento de livros ligados ao assunto e jornais que continham noticias da Operação. Com as entrevistas podemos constatar que tal fato, pode ser visto de dois olhares distintos: de um lado uma sociedade caiçara, considerada precária, porém dotada de sua própria inteligência, vivendo em suas vilas e bairros, em um contexto socialista, vivendo à base de troca de mercadorias, explorando apenas o suficiente para a sobrevivência de si mesmo e seus familiares. De outro, estudantes e intelectuais, vindos da maior cidade do país, São Paulo, com o intuito de trazer a razão a um povo, considerado por eles “à margem da sociedade”. Descobrem-se então necessidades distintas, no momento em que povos diferentes passam a conviver juntos, conta-se até que a emoção muitas vezes tomava conta dos estudantes que vieram para dar auxilio aos caiçaras, quando esse povo da terra, tendo perdido as esperanças de ter acesso ao conhecimento culto, se deparava com tal oportunidade batendo à sua porta. Tal Operação, mostra-se não tratar apenas de mais um feito de Ciccillo Matarazzo, “O Mecenas”, e sim uma teia de realizações e acontecimentos, envolvendo nada mais , nada menos que as mais complexas criaturas, as da raça humana, cada uma com sua cultura, e seus valores, juntando, separando e trocando, para que fosse então alcançada pelos caiçaras uma forma mais digna de pertencer ao sociedade. Entre os moradores do município, inclusive os mais influentes, tal acontecimento levaria a “Civilização” para os cantos mais afastados, civilização que viria da forma mais simples, dando visão a um caiçara através dos óculos e dignidade ao pescador, quando o mesmo, aprendeu a ler, segundo ele: Para não mais ser enganado.
Introdução/Revisão da Literatura
Os pés calços na areia
Pegadas nas perpetuas ondas que
Arfando e rangendo e chiando
Vislumbram irem adiante,
Corroendo pedras e cavando montanhas.
As raízes nos mangues lodos e
As flores nos paus macios.
Canivetes criando os santos
Mudos em seus mundos planos e olhares frios
-mesinhas com paninhos de borda rendada-
As chamas e os ventos, as velas e os remos.
Lá vão todos para nunca mais...
Restaram as chuvas e
Suas gotas no fim do telhado e
Seus buracos feitos no chão.
Já não há silencio!
Como as noites velando mães pretas,
Como os nós nos dedos enlaçados.
E nem há amores, com a doçura das santas D´ores!
Como a palavra dita e bem dita, e até não dita,
Do pobre homem.
E as crianças, arrelá!
Quem dera meu Deus,
Exista uma apenas, apenas uma que do pé de condessa
Caia e sare!
Cruzando facas ou casando-se-diziam sarar-,
Mas já não há!
(Bado Todão)
O poema acima elucida o povo encontrado no município de Ubatuba sob o olhar de um caiçara poético, para os idealizadores da Operação, o que tínhamos era um povo carente de instrução. Segundo Fiovo Frediani, um dos entrevistados e vereador na gestão de Ciccillo: Os participantes da Operação, foram como pais para os caiçaras, ensinaram a eles coisas que a muitas gerações eles haviam deixado de lado, noções de higiene, por exemplo, além disso, muitos deixaram de morrer, devido ao fato de usarem apenas ervas medicinais para a cura, e após isso tinham respaldo cientifico para o uso de remédios e até conhecimento para cruzar trilhas e mar, para chegar ao centro do município, buscando ajuda a um doente.
Embora o Golpe Militar tenha acontecido meses antes do inicio da Operação, que durou de janeiro a fevereiro de 1965, nada afetou no município, segundo contam os entrevistados, o mínimo que trouxe ao município foi ordem, pois os poucos que moravam no centro de Ubatuba e possuíam radio ou TV, tinham receio do que ouviam.
O contexto político era de “altos e baixos”, a Câmara Municipal apenas se deu conta do desenvolvimento que Ciccillo buscava, quase ao fim de seu mandato, a Operação, por exemplo, foi vetada por falta de verba, o Legislativo, não discordava da realização, porém para eles, o patrocínio deveria vir do Governo do Estado, instituições e mesmo do privado, e realmente foi o que ocorreu, tanto que a “Fotoptica” mandou de São Paulo, óculos gratuitos aos caiçaras.
Ubatuba, na época, era considerada ainda um município em desenvolvimento, a luz ainda estava chegando, as escolas eram poucas, e em sua gestão Ciccillo construiu a maior que existe até os dias atuais e hoje pertence aos Estado, o Colégio Capitão Deolindo de Oliveira Santos, localizado ao Centro da Cidade.
Como as idéias para alfabetizar, vinham do universo dos moradores locais, em relatos, descata-se uma jovem professora que não contem a emoção ao ensinar uma senhora a escrever a palavra “panela”, a prova de que eles trouxeram desenvolvimento, ficou claramente estampada no rosto de cada um dos 300 alfabetizados. Segundo a maioria deles, a emoção tomava conta do momento, era um passo para deixar os bairros mais afastados e ir atrás de um futuro mais digno, tanto que após a Operação, muitos caiçaras venderam suas casas e mudaram-se para o centro do município. Prova de tal fato, é hoje a existência da “Ilha dos Pescadores”, localizada no centro do município, onde o meio de subsistência é a pesca e perto de casa no chamado “Mercado de Peixe”, eles podem vender sua mercadoria.
Releva-se o fato de que, quem na verdade veio apenas para ensinar, pôde aprender com o caiçara, traços de sua cultura, sua musica, dança e costumes.
Material e Métodos
Os métodos utilizados partiram do principio das pesquisas de campo, com entrevistas, visitas aos bairros, consultas ao banco de dados do Jornal Folha de São Paulo, alem da averiguação, de possíveis exemplares de jornais locais do município de Ubatuba, no período em que a Operação realizou-se, e também leitura e fichamentos de livros recomendados pelo orientador.
Como material, alem dos livros, utilizou-se gravadores para o registro das entrevistas e maquina fotográfica para o registro das mesmas. Do banco de dados da Folha de São Paulo, obteve-se cinco exemplares do jornal, que continham informações sobre a Operação Ubatuba, do começo ao fim da mesma. Poucas informações puderam ser colhidas nos bairros e os jornais locais ainda não puderam ser localizados, pois o município não possui um acervo com os exemplares.
Resultados
Durante a pesquisa pôde-se contar a muitos moradores e relembrar aos que vivenciaram o contexto sócio-político em questão, resgatando juntamente a tais memórias a cultura caiçara, com seu modo único de vida, tendo como resultado parcial o resgate de um acontecimento adormecido e encoberto pela areia de bege espalhada ao longo das praias, que tem a dança dominada pelo tempo. Houve também, de certo modo, uma mobilização entre caiçaras e agregados, caiçaras por consideração e vivencia, para entre si resgatar em memória o contexto em que a Operação se realizou de fato que as idéias mais interessantes, foram aquelas que possuíam mais idade, tais idéias vieram de ilustres idosos do município, e despertaram também a curiosidade e interesse dos mais novos que a pouco chegaram.
Discussão
Se de inicio o interesse era pelas belas paisagens existentes nos bairros onde a Operação ocorreu, durante os dois meses que aqui passaram os estudantes e idealizadores, encantaram-se pelos moradores e sua cultura. De certo modo questões políticas envolviam o acontecimento, mas algo “mágico” envolvia a Operação, infelizmente a mesma durou apenas dois meses, sem continuação, o que para muitos a mostrou ineficaz, alegando que depois que foram embora muitos voltaram à vida de antes e desaprenderam a ler porem a maioria, mostrou plena satisfação, pois aprendeu a ler e lidar com números. De forma alguma, como era citado, os caiçaras estavam à beira da sociedade, pois tudo isso envolvia o próprio processo de desenvolvimento do município de Ubatuba, o povo residente no município não se diferenciava dos de inúmeras vilas caiçaras ao longo do país, apenas tinha seu modo próprio de fala, como trocar “coitado”, por exemplo, por “arrelá” e ainda possuir fortes traços do português lusitano, misturando expressões indígenas, e se o povo do município, mesmo que em bairros afastados estava à margem da sociedade, Ubatuba, mesmo com Ciccillo o acompanhava, portanto, o que se pode afirmar era que como o município de Ubatuba, o caiçara estava em processo de desenvolvimento, o que de forma benéfica pôde ser acelerado, se não auxiliado, pelos participantes da Operação Ubatuba.
Segundo os vereadores entrevistados, que estiveram na gestão de Ciccillo, infelizmente tal Operação apenas aconteceu, deixou apenas marcas naqueles que dela participaram, porém, no município nada ficou documentado, e ao fim o único registro foram as matérias no Jornal: Folha de São Paulo, e embora possua sua eficácia não mais se ouviu falar em tal Operação. O que de certo modo perdurou foi a adoração dos paulistas para com o município e suas praias, muitos que aqui estiveram com certeza voltaram, Ewaldo Dantas e Alzira Teixeira, idealizadores, possuem imóveis e seus filhos residem no município.
Conclusão
Infelizmente, a Operação durou apenas o tempo previsto, pois segundo consta no Jornal:Folha de São Paulo, era apenas uma experiência piloto, que tinha como objetivo conter o subdesenvolvimento, tendo a educação como arma. Durante as pesquisas de campo, podemos constatar, que muitos ainda vivem em bairros afastados, o que de certo modo não acontece apenas no municipio de Ubatuba.
A Operação mostrou que grandes mudanças devem vir de forma “serena”, respeitando o eu de cada sujeito, exaltando cada cultura e mesclando-as, a fim de dar oportunidades, se não, possibilidades da existência de um tipo de igualdade entre os seres humanos, complexos, porém, dotados de emoção e razão, sentimentos que andam próximos, ou até mesmo, um ao lado do outro, esperando que seu companheiro lhe seda o espaço.